Ficções Habitáveis
Às 3h da manhã estou com uma turma de amigos ao redor de uma mesa, vários cascos de cerveja no chão, copos cheios, risos, música, cigarros, quando ouço um som irritante de galinhas cantando insistindo em me avisar que está ficando tarde e temos poucas horas até o dia amanhecer.
O telefone toca às 10h da manhã, uma enorme dor de cabeça se manifesta, eu acho que o mundo tá acabando e é só uma amiga me convidando para ir me curar em um lugar que se parece mais com um “pedacinho do céu” que ela acabara de conhecer, cujo nome misturava palavras de língua inglesa e portuguesa. Lá iríamos passar o dia cercado de verde, ouvindo apenas o cantar dos pássaros, poder caminhar entre flores, comer verduras e legumes livres de agrotóxicos.
Entramos no carro e dentro de pouquíssimos minutos estávamos no tão sonhado “paraíso”, a única coisa que ela não havia me dito era que o céu continuaria acinzentado e se eu resolvesse olhar além do gigantesco muro que nos cercava veria não muito distante dali, grandes chaminés.
Aquele lugar me fez lembrar de umas casas enormes e sem cercas, todas com jardins muito bem cuidados onde uma vez eu vi famílias passeando com os cães nas praças rodeando suas fontes. Me lembro também que era tudo tão limpo e quieto naquele lugar que na ocasião não consegui deixar mais que o meu olhar penetrar naqueles espaços.
No fim do dia, eu já recuperada, resolvemos sair para jantar em um restaurante onde a comida tem “sabor da fazenda” e é exposta sobre fogões a lenha. Quando olhei ao redor, em alguns instantes, pensei estar em um daqueles casarões de fazendas de novela. Resolvi olhar quem era o responsável por aquelas delícias e fui até a cozinha, lá me deparei com fogões industriais e refrigeradores revestidos de inox.
Quando saí de lá, após caminhar sobre um piso brilhante comum em shoppings centers, entrei novamente no carro e fui pra um bar dançar ao som do DJ mais descolado do momento, cheio de pessoas moderninhas entorpecidas por drogas sintéticas.
Quando fui me deitar, a única coisa que pensava era em acordar no dia seguinte e conseguir descobrir onde, afinal de contas, eu estava.