novembro 26, 2007

Carta de indignação

Quando o meu pai comprou a casa, há 13 anos, procedeu à análise de todos os fatores que poderiam condicionar a habitação. Meticuloso por formação profissional, estudou a localização, a exposição ao Sol, as condições estruturais da moradia e pesou o fato de esta estar integrada no Parque Ecológico. No processo, deu conta, evidentemente, de uma linha de água, que corria paralelamente a toda a urbanização, mas estava longe de supor que a dita linha de água se transformaria numa saia promissora de esgotos a céu aberto. Na altura, foi-lhe dito pelos serviços municipais que a situação seria absolutamente provisória. O meu pai é engenheiro e, portanto, pouco entendido quando o assunto e geologia. Desconhecia as leis da cidade e acreditava que o canal seria tratado. Treze anos decorreram, e posso afiançar que uma das coisas boas de ter um esgoto a céu aberto na vizinhança é o fato de ele permitir travar novos conhecimentos. Conhecemos vários vereadores municipais. Três presidentes da câmara. Muitos, muitos funcionários. O esgoto, esse, já faz parte da família. Tenho familiares que juram a pés juntos que já não conseguiriam almoçar em paz sem o ligeiro odor que a vala exala .Nem tudo nesta história é negativo. Estão agendadas para este ano as comemorações dos 10 anos da primeira contagem de colônias coliformes realizada a pedido dos moradores. Como imagino que as colônias de coliformes não são como o vinho do Porto, pelo que não melhorarão com a idade, julgo que posso depreender que continuam a correr, na vala, esgotos sem tratamento. É verdade que os coliformes fecais fazem muita companhia, mas estará talvez na altura de nos despedirmos destes vizinhos.Consultei recentemente o novo Plano de Ordenamento do Parque Ecológico. Queria confirmar que, na listagem de espécies desta área protegida, constavam animais com as quais privo regularmente e que, com grande pena minha, certamente não visitam as traseiras da casa do senhor presidente da câmara. Infelizmente, por desmazelo do Parque, a varejeira-azul e a ratazana-negra não constam ainda do inventário de fauna da cidade. Parecendo que não, são organismos que dão muito encanto a uma moradia.Já vou nos meus trintas. O meu pai vai nos sessentas. Concordamos recentemente que o meu filho, ainda bebê, terá de manter uma forma física e intelectual invejável para agarrar no testemunho daqui a algumas décadas e manter viva a batalha do esgoto.


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