dezembro 03, 2009

Flânerie = deriva? flânerie ≠ deriva?

Personagem da era moderna, o flâneur teve sua gênese solidificada na obra de Charles Baudelaire. Trata-se de um ser errante e misterioso que dedica seu tempo a vagar pelas ruas, apreendendo cada detalhe sem sequer ser notado. Através de seu próprio exercício prático, a flânerie, esse deambulador se locomove a pé, sem pressa, sem correria, sem qualquer sintoma de fobia. Alheio a essa nova configuração de experiência de vida, do tempo e do espaço que o fenômeno da industrialização ocasionou por meio da revolução, ele procede num exercício de análise da vida cotidiana em busca de novas percepções da cidade. Os motores, as sirenes, as campanhias dos automóveis soam aos seus ouvidos como requintadas sinfonias, a multidão é sua vitalidade, a fumaça das chaminés sua exultação, a rua seu humilde e aconchegante lar.
Pouco mais de meio século depois, em meados dos anos 50, os situacionistas – um movimento europeu, de crítica social, cultural e política, reuniu poetas, arquitetos, cineastas, artistas plásticos e outros profissionais em torno de teorias críticas direcionadas à sociedade de consumo e à cultura mercantilizada, como meio de combater a alienação predominante que a sociedade vivenciava na cidade – instituíram métodos como estratégia de entender e mapear os ambientes da cidade: a psicogeografia, cartografia de ambiências sob influências afetivas através de seu exercício prático, a deriva. E apesar de entenderem o flâneur como um molde de burguês entediado, dominado pela apatia, e de uma intenção de afastamento dos dadaístas com as excursões urbanas por lugares banais (deambulações aleatórias) e dos surrealistas pela experiência física da errância no espaço real urbano, desenvolveram o mesmo pensamento ao propor a prática da deriva, da errância voluntária pela cidade, exercício lúdico e contínuo da experiência urbana.
Ao tentar entender melhor a prática da deriva dos situacionistas, o entendimento do conceito de flânerie torna-se essencial. Difícil uma dissociação entre estes dois exercícios. A cidade se torna matéria prima em movimento para pensarmos em ambas as práticas. Podemos então pensar a deriva como um recurso de pastiche, usado pelos situacionistas para se referir ao termo flânerie de Baudelaire. É como se a prática da flânerie fosse inserida em um contexto que não o seu, sofrendo alteração em sua acepção original. Essa alteração é dada pelo cunho político e social no qual o novo termo, deriva, passa a ser aplicado. Tal mutação não se trata de uma mera evolução de linguagem, e sim de um vigoroso artifício de intertextualidade, desenvolvida pelos situacionistas como um conceito de afastamento, fundamentado numa dicotomia entre desvalorização e revalorização.


Cícero Menezes

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Bom muito bom1!Mas quem escreveu?

2:04 PM  

Postar um comentário

<< Home